Neste artigo vamos tratar dos crimes tributários, especialmente se o princípio da insignificância se aplica a eles ou não.
Se preferir assista um vídeo sobre o tema ao final deste artigo.
Cada vez mais com a voracidade do Estado em cobrar seus tributos para tocar a sua pesada máquina, observamos com cada vez mais frequência pessoas sendo processadas pela suposta prática dos crimes tributários.
Em contrapartida, no direito penal contamos com o princípio da insignificância - também conhecido como princípio da bagatela - , onde, de modo geral, o Estado não deve processar pessoas que tenham cometido crimes insignificantes, que causaram uma lesão baixa para a vítima.
Neste sentido, vale a reflexão se esse princípio é aplicável ou não aos crimes tributários, sendo que vamos abordar essa temática na sequência.
PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Antes de entrarmos no tema da aplicabilidade do princípio da insignificância nos crimes tributários, devemos fazer breves comentários sobre o que vem a ser esse princípio.
Na sempre recorrente obra o saudoso professor Damásio de Jesus (Direito Penal. vol. 1. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 10), ao abordar o princípio da insignificância ou bagatela, como também é conhecido, doutrina que:
“recomenda que o Direito Penal, pela adequação típica, somente intervenha nos casos de lesão jurídica de certa gravidade, reconhecendo a atipicidade do fato nas hipóteses de perturbações jurídicas mais leves (pequeníssima relevância material).
Nesta linha, fica claro que o direito penal deve se importar com condutas relevantes, que trazem de forma efetiva uma lesão para aqueles bens que o Estado pretende proteger.
Caso que ganhou relevância recentemente foi a mãe que furtou alguns pacotes de de macarrão instantâneo, ela permaneceu presa por alguns meses aguardando a resposta dessa sua situação, sendo que neste caso o Superior Tribunal de Justiça determinou a sua soltura, aplicando, desta forma, o princípio da insignificância.
Assim, de modo geral, aqueles crimes que causem pouco prejuízo para a vítima - baixa lesividade - não devem ser levados a andamento, pois, acima de tudo, pelo valor do prejuízo, não compensa o judiciário movimentar todo o seu aparato para punir tais condutas.
De certa forma, esse princípio guarda relação com todos os tipos penais punidos no direito brasileiro, afetando, também, os crimes contra a ordem tributária.
APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA NOS CRIMES TRIBUTÁRIOS
Desta forma, passamos para o seguinte ponto: já que esse princípio guarda relação com todos os crimes, pode ser aplicado perante os crimes tributários? Em caso positivo, qual valor deve ser considerado para aplicação do princípio?
A resposta desta questão é positiva, o princípio da insignificância é aplicável aos crimes tributários.
Isso porque, o próprio Ministério da Fazenda possui a portaria 130/12 informando que os débitos inferiores a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), devem ser arquivados, vejamos:
Art. 2º O Procurador da Fazenda Nacional requererá o arquivamento, sem baixa na distribuição, das execuções fiscais de débitos com a Fazenda Nacional, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), desde que não conste dos autos garantia, integral ou parcial, útil à satisfação do crédito.
Neste sentido, por analogia, o Poder Judiciário passou a entender que, considerando que os valores abaixo de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) não são interessantes para o fisco, inclusive para a cobrança judicial, crimes que tenham por base valores inferiores a esse montante, também não devem ser processados penalmente, aplicando-se o princípio da insignificância.
Nesta linha, citamos jurisprudência do egrégio Tribunal Regional Federal da Quarta Região (acessado em 06/12/21 em: https://jurisprudencia.trf4.jus.br/pesquisa/imprimir.php?selecionados=TRF415389612&pp=lei%208137%20principio%20da%20insignificancia%20descaminho ):
DIREITO PENAL. DELITO TRIBUTÁRIO (ART. 1º DA LEI Nº 8.137/90). APLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. 1. Ao se utilizar como parâmetro de aplicação do princípio da insignificância os critérios que a Receita Federal se vale para fins de execução fiscal, deve-se fazê-lo em sua integralidade, e não de modo fracionado. Dessa forma, como a Receita Federal considera o valor consolidado do débito, este mesmo valor, ou seja, com incidência de juros e multa, também deve ser o adotado na esfera penal. 2. Desse modo, deve ser abatido a parte do tributo referente às despesas decorrentes de instrução e de dependência econômica da neta da ré, nos anos-calendário de 2006, 2007, 2008 e 2009, porquanto restou reconhecido na sentença que a apelante efetivamente possui a guarda da neta desde 2002. 3. É de presumir-se, à toda evidência, que mesmo acrescido dos juros e multa, o valor de cada ano-calendário se mostra insignificante - porquanto inferior ao patamar de R$ 20.000,00 -, a impor sua atipicidade. (APELAÇÃO CRIMINAL, 5008282-36.2014.4.04.7005, Rel. SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, SÉTIMA TURMA, Data da Decisão: 22/05/2018).
Aqui citamos decisão na mesma linha do Supremo Tribunal Federal (acessado em 03/12/2021 em https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/sjur360656/false ):
EMENTA HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. DESCAMINHO. VALOR INFERIOR AO ESTIPULADO PELO ART. 20 DA LEI 10.522/2002. PORTARIAS 75 E 130/2012 DO MINISTÉRIO DA FAZENDA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. A pertinência do princípio da insignificância deve ser avaliada considerando-se todos os aspectos relevantes da conduta imputada. 2. Para crimes de descaminho, considera-se, na avaliação da insignificância, o patamar previsto no art. 20 da Lei 10.522/2002, com a atualização das Portarias 75 e 130/2012 do Ministério da Fazenda. Precedentes. 3. Descaminho envolvendo elisão de tributos federais em montante pouco superior a R$ 12.965,62 (doze mil, novecentos e sessenta e cinco reais e sessenta e dois centavos), enseja o reconhecimento da atipicidade material do delito dada a aplicação do princípio da insignificância. 4. Ordem de habeas corpus concedida para reconhecer a atipicidade da conduta imputada ao paciente, com o restabelecimento do juízo de absolvição exarado pelo magistrado de primeiro grau. (HC 131057, Órgão julgador: Primeira Turma, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Redator(a) do acórdão: Min. ROSA WEBER, Julgamento: 20/09/2016, Publicação: 23/11/2016).
A decisão colacionada fala especificamente do crime de descaminho, contudo, a lógica da aplicação do princípio da insignificância também resta aplicada para os demais crimes tributários previstos na Lei 8137/90.
A decisão e o posicionamento é lógico, pois, se a principal vítima (fisco) afirma que o valor é irrelevante, inclusive, para a cobrança do débito na área cível, não faz sentido o acusado ser processado criminalmente, pois, falta justa causa para a deflagração da competente ação penal.
Vale destacar que essa regra somente se aplica para os crimes em que envolvam os tributos federais, não aos estaduais e municipais.
Contudo, alguns estados e municípios possuem suas próprias normas em sentido semelhante a norma federal - estipulando, por óbvio, outros valores - sendo interessante para o advogado de defesa ficar atento a este detalhe, buscando uma analogia jurisprudencial para os crimes que, porventura, envolvam tributos estaduais e municipais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desta forma, considerando o aqui apresentado, podemos afirmar, de modo geral, que o princípio da insignificância é aplicável aos crimes tributários, desde que o valor sonegado não ultrapasse o montante de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), falando-se em crimes que envolvam tributos federais, ante a falta de justa causa para a propositura e seguimento da competente ação penal.
ASSISTA UM VÍDEO SOBRE O TEMA:
LUIZ RICARDO FLÔRES é Advogado Criminalista, formado em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI); inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional de Santa Catarina - sob o n. 23.544; Pós-Graduado pela Universidade Cândido Mendes em Direito Penal e Processo Penal. Atua prestando serviços de assessoria e consultoria jurídica a pessoas físicas e jurídicas em Direito Penal e Processo Penal.
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