A justiça criminal brasileira, de forma expressa no CPP, adotou o sistema acusatório, onde o juiz não pode atuar como parte, ele atua na gestão da prova:
Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.
No caso específico, o MP não fez perguntas nem para as testemunhas, nem para vítima, momento em que o Magistrado tomou o protagonismo da tomada do depoimento.
Em apelação, o TJ decidiu que não houve nulidade, já que não houve prejuízo comprovado para a parte.
Em HC, o STJ corrigiu esse erro ao destacar que o prejuízo, no caso, foi presumido, pois não se sabe como tudo correria sem a interferência.
O magistrado pode fazer perguntas complementares (art. 212, CPP), sendo que a parte (MP) não fez perguntas, não há o que complementar.
O art. 212 do CPP é claro:
Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.
O Superior Tribunal de Justiça, na sua 6ª Turma, assim decidiu no HC 735.519, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior:
Inicialmente, registre-se que, conforme reiterada jurisprudência dos Tribunais Superiores, o reconhecimento de vício que possibilite a anulação de ato processual exige a efetiva demonstração de prejuízo ao acusado, consoante o previsto no art. 563, do Código de Processo Penal (pas de nullité sans grief) - (RHC n. 154.359/RJ, Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 07/06/2022, DJe de 23/06/2022).
Na instrução processual, a inquirição da testemunha deverá ser feita a partir de perguntas formuladas diretamente pelas partes, podendo o Juiz completar a inquirição, em relação aos pontos não esclarecidos (art. 212 do CPP).
No caso, verifica-se que, na audiência de instrução e julgamento, a inquirição das testemunhas foi protagonizada pela magistrada, que formulou a maioria das perguntas, tendo a defesa realizado questionamentos e a representante do Ministério Público abstendo-se de inquirir as testemunhas, vítima ou acusado, mesmo diante da impugnação da defesa.
Assim, evidenciado que a magistrada assumiu o protagonismo na inquirição de testemunhas e, por consequência, patente a violação ao art. 212 do CPP. Tendo a prova sido produzida irregularmente, presumido o prejuízo sofrido pela defesa do paciente, uma vez que é inviável avaliar a instrução processual se o juízo de origem tivesse obedecido ao dispositivo tido por violado.
Segue vídeo do julgamento:
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